Urbano Tavares Rodrigues

O intelectual, o homem<br>o comunista

Jorge Pires (Membro da Comissão Política do PCP)

No pas­sado sá­bado, dia 6 de De­zembro, a Di­recção da Or­ga­ni­zação Re­gi­onal de Lisboa do PCP re­a­lizou no au­di­tório da Bi­bli­o­teca Na­ci­onal uma ho­me­nagem a Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues. No dia em que com­ple­taria 91 anos de idade, fa­mi­li­ares, es­cri­tores e so­bre­tudo muitos ca­ma­radas e amigos ou­viram du­rante cerca de quatro horas tes­te­mu­nhos sobre a obra do es­critor, sobre a sua forma de estar na vida, sobre a sua luta em de­fesa da li­ber­dade, sobre a sua mi­li­tância no PCP.

Um grito de alerta contra as li­mi­ta­ções à cri­ação e fruição cul­tu­rais

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In­te­lec­tual, autor de uma vasta obra li­te­rária que abarcou todos os do­mí­nios da es­crita – ro­mance, no­vela, conto, te­atro, po­esia, cró­nica, en­saio, jor­na­lismo e vi­a­gens –, Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues é uma das re­fe­rên­cias mais in­tensas da li­te­ra­tura por­tu­guesa dos sé­culos XX e XXI e deixa-nos um le­gado ines­ti­mável para fu­turas ge­ra­ções de es­cri­tores. Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues pos­suía um con­junto de qua­li­dades hu­manas que ra­ra­mente ob­ser­vamos con­cen­tradas numa mesma pessoa, cujos va­lores sempre nor­te­aram a sua vida – a li­ber­dade, a jus­tiça so­cial, a paz, a so­li­da­ri­e­dade, a fra­ter­ni­dade –, qua­li­dades que es­ti­veram sempre pre­sentes na sua obra e na sua in­ter­venção so­cial e po­lí­tica, que fi­zeram dele um re­sis­tente e um com­ba­tente pela li­ber­dade e por uma so­ci­e­dade mais justa.

Membro do PCP desde muito cedo, desde logo de­sen­volveu uma in­tensa ac­ti­vi­dade po­lí­tica que se pro­longou ao longo de toda a sua vida. Apesar de preso três vezes pela PIDE, im­pe­dido de lec­ci­onar na Fa­cul­dade de Le­tras de Lisboa e nou­tros es­ta­be­le­ci­mentos de en­sino e de ter sido o es­critor por­tu­guês com mais li­vros apre­en­didos pela PIDE, Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues – como es­creveu José Ca­sa­nova no Avante! do dia 13 de Agosto de 2013 – «nem per­se­gui­ções, nem ame­aças, nem pri­sões, nem tor­turas, o fi­zeram abrandar, se­quer, a sua prá­tica de re­sis­tência».

Tal como muitas vezes des­tacou, o Alen­tejo es­teve sempre pre­sente na sua obra li­te­rária, mas também nas suas op­ções po­lí­tica e par­ti­dária, numa re­lação que o pró­prio con­firmou quando es­creveu: «Na ado­les­cência co­mecei a tac­tear a vida, a dar pelas in­jus­tiças so­ciais mesmo ao meu lado, a crescer entre cheiros e sons, vi­sões, bem di­fe­rentes, mas mis­tu­rados, do pa­raíso e do in­ferno. Sen­ti­mentos em guerra nas­ciam dentro de mim e aos meus mo­mentos con­tem­pla­tivos do fim do dia, após as horas de es­tudo ou os pas­seios pela beira do Ar­dila, a pé ou a ca­valo, su­ce­diam-se in­ter­ro­ga­ções sem res­posta (...). O que é bem certo é que o prazer da es­crita tenho-o co­nhe­cido so­bre­tudo ao evocar, ao rei­ventar, ao es­crever o Alen­tejo, o que pode pa­recer pa­ra­doxal, já que al­gumas destas es­tó­rias são ne­gras, dra­má­ticas, como o des­tino do povo junto ao qual cresci e com quem abri os olhos para a vida.»

Mas neste País onde a cul­tura con­tinua a ser tra­tada como pa­rente pobre do Or­ça­mento do Es­tado, um País mar­cado pela sis­te­má­tica fra­gi­li­zação do te­cido cul­tural, um te­cido cada vez mais vul­ne­rável e pre­cário, esta ho­me­nagem foi igual­mente um grito de alerta e, ao mesmo tempo, um mo­mento de luta contra as li­mi­ta­ções no acesso à cri­ação e à fruição cul­tu­rais, par­ti­cu­lar­mente por parte das ca­madas po­pu­lares.

Le­gado a pros­se­guir

No le­gado de Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues en­con­tra­remos, todos nós e par­ti­cu­lar­mente os cri­a­dores cul­tu­rais deste País, exem­plos su­fi­ci­entes para per­ce­bermos que os di­reitos de­fendem-se, lu­tando por eles e exer­cendo-os, porque não são dados ad­qui­ridos. Ur­bano acre­di­tava que «não será posta em causa, nem traída, de­certo, uma cons­ti­tuição de­mo­crá­tica e avan­çada, que con­sagra as na­ci­o­na­li­za­ções, a re­forma agrária, o con­trole ope­rário, as li­ber­dades que con­quis­támos e pelas quais nos ba­te­remos, todos os de­mo­cratas que lu­támos contra o fas­cismo antes e de­pois da glo­riosa ar­ran­cada dos ca­pi­tães do MFA». É com mágoa que na Pri­ma­vera de 1977, ao rever este texto, «cons­tato que o meu op­ti­mismo de um ano antes está ser des­men­tido pela re­a­li­dade». Afinal, as li­ber­dades de um ano antes não são dados ad­qui­ridos, há que lutar por elas cons­tan­te­mente.

A me­lhor ho­me­nagem que po­demos fazer ao ca­ma­rada Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues é se­guir o seu exemplo de lu­tador até ao fim da vida por um ideal em que acre­di­tava e que ex­pressou na sua es­crita quando, em «Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues: entre a Utopia e a pa­lavra», es­creveu: «es­tive sempre ao lado dos que levam pan­cada. E es­tarei até ao fim da vida, do lado dos fracos contra os fortes.»

É nesta luta e nos seus re­sul­tados que acre­di­tamos para re­solver os pro­blemas do nosso País. É nesta luta con­ver­gente com os de­mo­cratas e os pa­tri­otas que en­con­tra­remos as so­lu­ções para a cons­trução da al­ter­na­tiva pa­trió­tica e de es­querda que con­cre­tize uma ver­da­deira po­lí­tica de es­querda.

Uma al­ter­na­tiva que exige que se pre­vina e de­nun­ciem as falsas e ilu­só­rias so­lu­ções, e por isso re­jei­tamos con­cep­ções que visam uma agre­gação ou con­ver­gência, ba­se­adas num quadro de ob­jec­tivos que não sig­ni­ficam a rup­tura, antes se­riam o com­pro­me­ti­mento com a po­lí­tica de di­reita.

 



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